terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O recrutamento

-Abram a porta em nome do Exército da Libertação Nacional – bravejou o corpolento soldado enquanto batia fortemente na porta. Os estrondos das batidas ecoaram por toda a sala, o garoto tremeu da cabeça aos pés. Sua mãe chorava baixinho abraçada ao menino. Mais um grito:
-Abram a porta ou iremos colocá-la abaixo – o soldado estava mais exaltado ainda.
A mãe deu um beijo na testa do garoto, e caminhou rapidamente em direção a entrada. A porta foi aberta lentamente, e a mulher pode contemplar a visão de seus pesadelos. Sim, eles vieram para levar o seu filho. Ela sabia que esse dia iria chegar, mas saber é diferente de vivenciá-lo.
O soldado afastou a mulher da entrada, dirigiu-se a criança, e disse:
-Coloque sua mão direita sobre o leitor – disse enquanto agarrava a mão do garoto e a colocava em cima da tela do leitor biométrico. Após dois segundos, o aparelho mostrava todos os dados da pequena biografia de Heitor Castro.
-Caro Senhor Heitor Castro, é com máxima alegria que anunciou que hoje é o seu primeiro dia como recruta do Exército da Libertação Nacional – proclamou exultante o soldado.
O garoto tentou se agarrar a mãe, mas foi arrastado pelos soldados até o ônibus de transporte. A mãe ficou de joelhos chorando no meio da rua, não era a única. Havia vários ônibus do Exército estacionados, cheios de meninos chorões que engrossariam as linhas de defesa no longínquo norte. Ele deu uma última olhada para sua rua, para sua casa. Ao entrar no ônibus, o soldado aplicou uma injeção no seu braço direito, apenas protocolo, todo recruta deve possuir um implante subcutâneo que permite ao Exército rastreá-lo e que libera substâncias químicas durante a batalha. O ardor no braço era menor do que a dor no coração.
Era a lei, todo cidadão do sexo masculino ao completar doze anos de idade devia servir ao Glorioso Exército pelo período mínimo de doze meses. Embora, boa parte ficasse pelo resto de suas curtas vidas. A guerra no norte já durava treze anos, e os generais precisavam de mais forças no front. A população apoiava, qualquer coisa era melhor do que perder a guerra e as fontes de água. Para minimizar a perda dos jovens, o governo apoiava programas de reprodução assistida e dava incentivos financeiros para as mulheres que tivessem vários filhos homens.
O jovem Heitor olhava triste a paisagem da rodovia, pensava em sua mãe, sua casa e tudo aquilo que ficava para trás. Ele já tinha ouvido falar do Exército, do dever, de como era importante defender as reservas das mãos sujas dos estrangeiros.
Ele lembrou tudo isso, enquanto voava pelos ares, jogado por uma explosão. Aterrissou em uma poça de lama. O ouvido zumbia, a lama cobria todo o seu corpo. Atordoado, ele não conseguia ver a posição das tropas inimigas. Era uma emboscada. Aos poucos foi retomando o controle, voltou a ouvir o barulho dos tiros, e das bombas lançadas.
Mais do que nunca desejou não ter entrado naquele maldito ônibus, desejou não ter nascido. -Maldito seja o Glorioso Exército – gritou, mas ninguém o ouviu. Ele se levantou. O projétil atingiu sua nuca, ele não sentiu, não deu tempo...

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