quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Estação de Monitoramento 39Z2

E ele sonhava com um mundo que não existia mais. Um mundo onde se podia correr pela grama, confraternizar com os amigos, via imagens bonitas de uma vida que não era mais real. O barulho estridente e agudo tomou de conta do sonho. Os rostos felizes das pessoas se desmancharam como que derretidos por ácido. Ele acordou, e o barulho ainda estava lá. Era a sirene de alerta.
O rapaz se levantou do leito, e andou poucos metros até a cadeira de comando da estação. O computador mostrava uma mensagem em letras garrafais que piscavam na tela: “Erro de Comunicação: Módulo de Exploração Z3-D”. Ele digitou alguma coisa no teclado, e o barulho cessou. Mais uma série de comandos digitados rapidamente, e o histórico de eventos das últimas dez horas do Z3-D estava na tela. Era verdade, alguma coisa desativou o pequeno robô, e isso não era nada bom.
-Central, aqui é o operador de manutenção 032A falando da estação de monitoramento 39Z2 – disse o homem olhando para um grande monitor de cristal líquido posicionado acima de sua cadeira.
-Aqui é da Central, pode falar – respondeu a voz metálica que brotava dos alto-falantes.
-Aparentemente, nós perdemos o nosso último módulo de exploração – falou tenso o operador – temo que vocês vão ter que me enviar um novinho em folha.
-Copiado, nós vamos ver o que podemos fazer. Talvez você tenha que esperar alguns dias. Retorno com mais informações depois – falou rapidamente a voz.
-Obrigado, até breve – disse o operador, desligando a chamada através do teclado.
O homem olhou para o relógio posicionado em cima do monitor, ainda faltavam três horas para o início do seu turno. Contudo, sem o módulo de exploração não havia muito que fazer. As estações de monitoramento eram postos avançados de coleta de amostras, os operadores eram os homens que mais próximos ficavam da superfície do planeta, apenas cem metros abaixo do nível da superfície terrestre. Os módulos de exploração tinham a missão de extrair amostras da atmosfera, solo, água e trazê-las para a estação, que fazia as análises prévias e transmitia os resultados para a central. Tudo para fornecer aos cientistas lá em baixo dados que pudessem indicar quando a superfície estaria apta novamente para receber seres humanos.
A parte habitável da estação era um quadrilátero de 25 m², dividido em duas partes. A primeira parte era o dormitório-cozinha, e a segunda parte a sala de controle com todos os computadores. O ambiente foi projetado para acomodar de forma espartana uma única pessoa por no máximo três meses, com todos os suprimentos guardados na própria estação. Havia uma única porta de acesso, que dava para um túnel onde era possível trafegar usando veículos elétricos sobre trilhos, que podia levar pessoas e carga. Os trilhos levavam tanto para a Estação Central quanto para a superfície, onde havia a estação de contenção. Essa estação era responsável por isolar o ambiente hostil da superfície do ambiente livre de contaminação do Submundo. Havia outras estações de contenção espalhadas pelo túnel, para ser preciso uma a cada 50 metros.
O operador sabia de todas essas informações, precisou delas para passar no exame de seleção para o cargo. Não havia muitos empregos bons no Submundo, poucas posições eram remuneradas, e os habitantes eram obrigados a prestar horas e horas de serviço comunitário. Por mais arriscado que fosse trabalhar na estação, e realmente era arriscado, ele sabia que quando voltasse para o Submundo poderia ter uma vida menos sofrida com os créditos que acumulara.
A vida na estação era bastante monótona. Os módulos de exploração eram autônomos e podiam ser acessados remotamente. Após a coleta das amostras os módulos sozinhos desciam os trilhos do túnel de acesso, eram esterilizados nas inúmeras estações de contenção, e se posicionavam na entrada da estação de monitoramento. Cabia ao operador, vestir uma roupa especial e colocar as amostras em pequenos invólucros que seriam mais tarde enviados à Central. Algumas amostras eram testadas na própria estação, e seus dados enviados pela rede. Pura tranqüilidade. Ou pelo menos, era o que operador achava até a semana passada, quando uma tempestade destruiu todos, menos um, dos módulos de exploração.
Tempestades eram comuns na superfície, mas nunca havia dito uma tão intensa quanto esta. Por sorte, as antenas de comunicação ficaram intactas e ainda era possível acessar o último módulo. Não se podia dizer o mesmo, dos sensores e câmeras de solo que foram todos destruídos. Mas isso não era problema do operador, e sim da equipe de manutenção que devia vir em duas semanas.
O operador assistia a um desenho animado, quando uma mensagem da Central foi anunciada pelo computador: “Siga o Protocolo de Recuperação 03P”. O homem arregalou os olhos, passou a mão pelo rosto, e deu um sorriso nervoso. Isso não era nada bom. Segundo o relatório anexo a mensagem, o último módulo perdeu a mobilidade próximo da entrada da última estação de contenção. O dito protocolo era a descrição do procedimento de recuperação do módulo na superfície. Ele teria que subir.
A hecatombe aconteceu fazia dez anos, desde então, os homens viviam em cidades subterrâneas construídas pelo governo. Ao todo, sete cidades foram construídas em todo o território nacional, e são interligadas através de uma rede de comunicação de satélites. Fazia dez anos que ele, o operador, não colocava seus pés naquilo que costumava chamar de lar.
O traje de exploração pesava trinta quilos, e era construído com material que o operador ignorava por completo, mas que rezava que funcionasse para filtrar as impurezas do ar. O traje lhe dava autonomia de duas horas de exploração, tempo suficiente para colocar o módulo Z3-D nos trilhos e voltar para casa. Caso fosse necessário, a estação de contenção serviria como sua base para pernoite.
O veículo sobre trilhos se movia lentamente, mas, em poucos minutos, ele já estava em frente ao portão da última estação. Destravou a porta, e entrou no ambiente que era bem menor do que o da estação de monitoramento. Viu o portão de saída para a superfície, ele conhecia o protocolo e devia segui-lo.
Acionou o sistema de filtragem do traje especial, e entrou na câmara de transição. A porta pela qual passou se fechou automaticamente, e o ar da câmara foi substituído pelo ar tóxico da superfície. Um visor em seu braço direito mostrava que tudo estava indo bem com o traje. Em poucos segundos, a porta a sua frente se abriu e o velho mundo estava lá.
O cenário era de tranqüilidade, a estação fora construída sob uma área desértica. Apenas terra amarelada por onde a vista pudesse alcançar, fazia muito tempo que ele não se encontrava em um lugar tão aberto, tão grande. Olhou para cima, mas não havia sol, apenas nuvens acinzentadas e espessas. Poucos raios solares conseguiam ultrapassar aquela barreira, e a temperatura era de apenas 8° C.
E o módulo estava lá, apenas dez metros de distância da entrada da estação de contenção. O operador se dirigiu lentamente ao local. Aparentemente o módulo parecia intacto, talvez fosse apenas um problema de bateria. Quando o operador tentou acessar o terminal do módulo, ele viu um pequeno lagarto saindo das engrenagens do módulo.
-Impossível, como? – balbuciou espantado.
Como aquele pequeno lagarto poderia viver naquela atmosfera tóxica? E foi ele que danificou o módulo? O operador estava atônito, mas tinha pouco tempo para agir. Capturou a amostra de vida, e colocou-a no recipiente anexo ao traje.
-Isso deve enlouquecer os nerds lá de baixo – riu sozinho.
O operador tentou em vão, colocar o Z3-D para funcionar, mas as engrenagens estavam danificadas e não havia tempo o suficiente para consertá-las ali fora. Então, ele decidiu retornar a estação de contenção, não se sentia bem. Era difícil respirar, a garganta queimava a cada inspiração. Foi quando o alerta do traje tocou, ele estava sendo envenenado. Correu o mais que pode para o portão, mas a sorte não lhe sorriu. Tropeçou em uma pedra, e bateu a cabeça com força no chão.
O traje especial era bastante reforçado na parte exterior, contudo a sua parte interior era feita de material mais simples. Pelo menos foi isso, que o Diretor de Operações repassou para a esposa do operador, enquanto entregava a indenização para a viúva.
-O seu marido, aparentemente, deve ter colocado algum material extremamente tóxico na bolsa que corroeu o traje de exploração por dentro. A equipe de resgate o encontrou a dois metros do portão da estação de contenção, com o traje completamente danificado – falou friamente o Diretor, enquanto segurava a mão trêmula da mulher.

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